Parece-me que elas me afloram para mim mesma: me despertam: me fazem descobrir de mim uma versão que para elas, e para elas apenas, foi apresentada. Sou tantas: porque tantas são as pessoas. E a cada nova pessoa também o novo de mim encontro.
Acredito que as pessoas são na realidade pessoas-texto.*
E que, ao lê-las, eu me transformo como me transformo ao ler qualquer outro texto.
E, claro, há os textos que me marcam de uma maneira tão profunda, que viram cicatriz: marca na pele.
Há outros que são um mero corte de papel: logo, logo desaparecem. Mas ainda assim, são passagem: linhas lidas, palavras ditas de fora para dentro.
Eis a questão: as pessoas entram em nós.
Os estranhos, esses, são pessoas que sequer existem para nós (são apenas background, fundo, manchas lá longe). Mas ao conhecermos alguém, ao termos a impressão de alguém (vêem como é forte esse termo?) então algo deve mudar em nós: conhecer uma pessoa é imprimir novas informações em nós mesmos. Por isso mudamos: há algo a mais em nós depois disso.
Confesso: olho para todos. Com avidez e sede.
E o momento perfeito para mim é aquele em que sou surpreendida: a pessoa se mostra sem que eu sequer a tenha visto.
É como o comer sem ter tido a ânsia da fome.**
E me lambuzo inteira: porque sei a importância do agora.
O agora é o tempo que temos: é nele que cabe tudo.
Por isso acho idiótica a noção de não se valorizar o que se tem agora: o que se tem agora é tudo o que se tem: então se esse tudo não está bom: corra, vá embora: siga em frente: porque o tudo ruim é na realidade o nada.
E a verdade é que o vício de pessoas não é altruístico – nenhum vício é.
Porque a bem-verdade é que ao beber as pessoas nem sempre bebo com sua permissão: nem sempre elas sabem que são bebidas por mim. E isso significa que talvez nem sempre eu deixe um pedaço meu nelas.
Mas, como esse negócio de ler é mesmo entre cada um e o texto, sabe-se lá se também não estou sendo bebida sem saber.
Mas, como oração, digo: aqui me ofereço a vós.
Porque tenho a soberba humildade de reconhecer que sou formada de muitos goles de pessoas-texto.
~ e presente de sábado-preparação-para-o-domingo:
Stacey Kent: cantando Jobim em francês (quer coisa mais perfeita?) e a linda-demais 'The Ice Hotel'
| cartum |
mafalda diz oi!

clique na imagem para ampliar.
~~
* Termo baseado em Pierre Lévy, no seu brilhante texto “Tecnologias Intelectuais e Modos de Conhecer: Nós Somos o Texto”.
** Texto querido de Clarice (deus, isso é puro pleonasmo!) - em A repartição dos pães, do livro Legião Estrangeira.
6 comentários:
'O agora é o tempo que temos: é nele que cabe tudo.'
;)
Até já.
Beijo beijo beijo.
Aaaah, boa música e ótimo cartum.
Rsrsrs
O texto, nem preciso mais me derreter em elogios né?!
:P
Fui.
Texto PERFEITO *-* é simplesmente isso que eu tenho a dizer!
bjo :*
Helena!!! Esse seu vício é contagioso??? Creio que sim... Vejo a cada dia pessoas preocupando-se umas com as outras, sorte a nossa que ainda existe pureza nos corações e faz com que essas pessoas exemplifiquem bondades diariamente por onde andam e com isso muitos são os seguidores desses portadores dos vícios.
Quando você diz: "Eu me abrigo em outras pessoas". Entendo da seguinte maneira: é como se você necessitasse desse elixir para viver, como se você respirasse experiências, como se os seres humanos fizessem parte de você e fosse como ar que você respirasse. Você necessitasse de histórias de vida para complementar a sua própria história e ficasse mais revigorada para a vida. E como isso reescrever sentimentos compartilhados para o benefício de todas nós, inclusive os seus. Bravo... Bravíssimo!!!
E aposto com vc que todas nós conhecemos aquele alguém "livro-favorito"!!!!
heheheheh
Essecial na vida de qualquer ser humano.
Beijos, querida!
Amanda G.
E aposto com vc que todas nós conhecemos aquele alguém "livro-favorito"!!!!
heheheheh
Essecial na vida de qualquer ser humano.
Beijos, querida!
Amanda G.
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